Willian Pôrto - Mais uma Justa Homenagem


Está entre os homenageados do Projeto Sextas-Feiras Culturais, que será realizada nessa sexta dia 21, o Escritor William Rodrigues Pôrto. Ele já publicou dois livros, Baú de Arcoverde e Combate Popular, este último utilizado para nomear o seu blog (blogdewilliamporto.zip.net/), no qual diariamente lança suas reflexoes sobre o cotidiano, relatando fatos históricos, criticando as mazelas da sociedade moderna e, não poderia deixar de ser, deixando os seus comentários políticos. William, ou Piolho, como queiram, colabora ainda com o Jornal de Arcoverde, do amigo Enaldo Cândido.

William é filho do falecido dentista Wilson Porto e irmão do ex-Prefeito e ex-Vereador de Arcoverde Giovanni Pôrto, que também figura dentre os homenageados. 
O evento de homenagem à Literatura e Gastronomia será nesse 21/10, às 19:30h, na Câmara de Vereadores e William Pôrto, que não poderá comparecer por motivo de saúde, será representado por Enaldo Cândido.

Vale a pena transcrever texto da lavra de William, pelo seu valor sentimental, mas também por contar parte da história de Arcoverde e de um período difícil da vida política brasileira nos tempos da ditadura militar.

A CASA DO MAJOR
William Pôrto


A casa do Major Wilson Pôrto, meu pai, era ali na Avenida Antonio Japiassu, número 370, vizinha da antiga sede do Esporte. Como na canção popular, a porta da casa era "sem trinco". Bastava abrir um postigo, afastar um ferrolinho e pronto: estava aberta a porta. Por mais de "fogo" que o nego estivesse, não tinha errada.

Na sala da frente funcionava o gabinete dentário do Major. Separado por uma parede funcionava o gabinete propriamente dito; o restante do espaço servia para a sala de espera com um jogo de poltronas Gerdau e um centrinho. Foi com o que rendia aquele modesto gabinete que meu pai conseguiu manter a sua família.

É difícil uma pessoa com mais ou menos quarenta anos, que tenha vivido em Arcoverde dos anos dourados, que não tenha arrancado ou obturado um dente, ou posto uma chapa, no gabinete do Major. Presenciei inúmeras vezes pessoas chegarem com serviços feitos pela metade, por dentistas formados, para que pai consertasse o estrago. Era um dente extraído ela metade, uma obturação mal feita que havia caído, uma chapa frouxa ou apertada e por aí seguia.

O Major, com aquela paciência que Deus lhe deu (paciência, talento e força na munheca), consertava e ajeitava tudo. Só tinha um defeito: não sabia cobrar. O cliente dava o que queria. E quem não queria e nem podia pagar, ficava com o nome no livro do fiado, que era mais grosso do que a Bíblia

Mas voltemos ao restante da casa. 
Depois do gabinete havia um grande corredor, onde ficavam os quartos. Na parede havia um retrato de José Magalhães França (Zezinho da Farmácia), um sobrinho de pai que fora assassinado pela polícia. Zezinho sempre foi um mito para todos nós. Acontece que devido ao grande respeito que lhe devotávamos, quando passávamos por aquele retrato, Zezinho parecia que nos estava fitando. Tanto fazia a gente estar de um lado como do outro, tanto numa extremidade como na outra do corredor. Bobagem de criança, mas aquilo nos dava um medo danado.

No começo do corredor havia um cofre pregado na parede. Nele pai guardava antigos documentos: títulos de eleitor caindo aos pedaços, a escritura da casa, registros de nascimentos, uma velha combréia, que nunca foi usada etc. Dinheiro e jóias  nunca existiram nesse cofre. Mesmo assim, o Major tinha o maior cuidado com ele.

Ainda no corredor ficavam uma velha estante e um birô. Mais adiante era a sala de jantar, com uma mesa, seis cadeiras, uma cristaleira, um buffet. Na parede, um velho relógio que havia pertencido ao meu avô e um quadro a óleo pintado por "Seu" Lindolfo. Esta sala só era utilizada quando vinha gente de fora, nas reuniões da esquerda e para se jogar pif-paf.

Após a sala, vinha a cozinha. Era o reino de Dona Maria Almira. Dali ela administrava toda a casa, multiplicava a comida, ralhava com os filhos. Não era muito grande a cozinha. Grande era a mesa que nela existia. Não sei - e nem imagino - aonde pai arranjou aquela mesa, onde fazíamos as refeições. Nessas horas o movimento era intenso e divertido. Cada um de nós querendo comer mais que o outro e mãe de olho para que os menores e os mais lentos não ficassem sem comida. Bobeou ficava com fome. Na hora da janta, pra aumentar ainda mais a zoada, pai ligava um velho rádio na Central de Moscou e era uma chiadeira da gota serena. O rádio chiava mais do que eu quando estava com asma.

Finalmente, após a cozinha, havia o muro. Ali duas gerações de pernas de pau jogaram peladas, fizeram das suas e pintaram o sete. O local vivia apinhado de garotos. O portão, a exemplo da porta, não tinha fechadura. De noite, a gente escorava com um pedaço de madeira. Além da garotada, o muro era propriedade de King, o nosso cachorro, que nunca mordeu ninguém e era querido por toda a vizinhança. Quando ele morreu, atropelado por um caminhão da prefeitura, nós o enterramos ali mesmo, no muro em que ele sempre viveu. Nesse local tinha ainda um pé de mamão, outro de manga e um de laranja. Esse último, depois de dar muitas laranjas, passou a dar limão. Um mistério (deve ter sido enxertado). Um dos meus irmãos ficou com medo de contar essa história porque alguém poderia pensar que era mentira. E não era para menos!

Com toda a movimentação que existia naquela casa, o entra-e-sai, as alegrias, as tristezas, os altos e baixos, o fato é que ali nunca houve rotina. O humor sempre prevaleceu. E a união, a afetividade e o calor humano.

A casa do Major fez história. Na verdade, quando algum historiador se dispuser um dia a contar a história política de Arcoverde vai ter de pesquisar bastante a vida e o papel daquela residência nos movimentos políticos. Sobretudo se ele quiser ser isento e pretender contar, também, a história da esquerda, dos que se sacrificaram por um ideal, dos perseguidos e injustiçados, dos humilhados e ofendidos, até mesmo daqueles que foram traídos pelos graúdos da esquerda, a nível estadual.

Aquela residência modesta foi invadida várias vezes pela polícia, por agentes de segurança. Lembro com exatidão algumas dessas invasões, dos tiras arrombando a velha estante, o birô, “futucando”  o guarda-roupa de minha mãe e revirando a casa toda. E surrupiando (esta é a verdade) livros que nada tinhama ver com o esquerdismo.

Certa feita, vários de Graciliano Ramos, um exemplar do Novo Testamento, alguns romances de Jorge Amado e, pasmem, outros tantos de M.Delly (aqueles da coleção azul, leitura de moças!).

De outra feita, escondido, levaram um relógio de pulso uma pulseira de minha mãe. Além de fascistas, eram ladrões Noutra ocasião, descobriram um velho retrato de Luiz Carlos Prestes e o tira que o achara gritou exultante para o chefe: "Encontrei, encontrei o retrato do chefe dos comunistas!". Ao que minha mãe replicou: "Deixe de besteira, você entrar na casa de um comunista e não encontrar o retrato de Prestes é o mesmo que entrar na Igreja e não encontrar a imagem de Jesus Cristo!".Quando do golpe de 1º. de abril de 1964, aconteceu a ultima invasão. E esta não foi realizada por policiais do Recife. Foi mais covarde, mais brutal, mais arbitrária, mais indigna e, sobretudo, mais ilegal! No dia dois de abril, na ausência do meu pai, estando em casa apenas minha mãe, minha irmã Lena (na época uma adolescente), Rogério e Ivan (meninos com oito e dez anos), a nossa casa foi invadida à noite pelo delegado e cerca de 20 soldados.
Eles chegaram acompanhados de alguns civis, os truculentos de toda vida. Queriam naquele momento mostrar serviço, valentia e "heroísmo", para compensar o tempo que andaram de cama e mesa com Arraes. E nada melhor para virar a casaca do que invadir uma casa onde só havia uma mulher indefesa, acompanhada dos filhos menores. Esses "valentes"deveriam ter ganho medalhas da "Redentora".

O delegado e alguns policiais entraram em nossa casa. Os demais soldados cercaram-na pelo Beco de "Seu" Mané até os fundos. O aparato não só era covarde. Era ridículo! Os truculentos civis, ante a reação de minha mãe e minha irmã, que barraram a entrada deles, ficaram na calçada, esperando os cúmplices fardados.Mas nem a perseguição e nem o arbítrio conseguiram frustrar a nossa crença no humanismo e na dignidade do homem. O calor humano sempre existiu naquele ambiente, superando todos os obstáculos.

A casa do Major, além de um lar, foi uma escola para todos nós. Nela aprendemos que a honestidade vale à pena; que a bondade e a solidariedade compensam; que o amor existe; e que por mais escuras que sejam as noites, é preciso cantar. Se havia dificuldades, havia também fraternidade, lirismo, poesia e o sonho que alimenta o Homem desde o início de sua existência: o sonho da Liberdade.Hoje, ao recordar os tempos vividos naquela casa, posso avaliar o quanto é verdadeiro um verso do samba de Ataulfo Alves: "A gente era feliz e não sabia".





Comentários

  1. MEU QUERIDO E PRESADO AMIGO WILLIAN PORTO, MAIS QUE PRAZER IMENSO EM CONTACTA-LO, LEMBRA-SE DE MIM, CHICO DE ZÉ DO OLÉO, AMICISSIMO DE IVAN E QUE TOCAVAMOS NA BANDA OS LORDES NOS ANOS 59 A 70, LEMBRO-ME COM SAÚDADES QUANDO IA NA SUA CASA QUE FICAVA EM FRENTE AO BECO EM QUE EU MORAVA, RUA VITURINO JOSÉ FREIRE N. 1, SENTAVAMO-NOS NO BATENTE DE SUA CASA E FICAVAMOS BRINCANDO E BATENDO PAPO DE CRIANÇAS MALUCAS COM MUITO SONHOS NA CABEÇA, LEMBRO-ME BEM DE SEU WILSON PORTO E SUA QUERIDA MÃE QUE SEMPRE NOS RECEBIA E TRATAVAMO-NOS BEM, ERA UMA VERDADEIRA SENHORA EDUCADA PRINCIPALMENTE COM CRIANÇAS COMO NAQUELES VELHOS TEMPOS, LEMBRO-ME TANBEM DA ELEIÇÃO PARA PREFEIRO DE SEU IRMÃO GEOVANE PORTO, SÃO TANTAS AS LEMBRANÇAS QUE NÃO ME CONTENHO, WILLIAM, VOU LHE PEDIR UM GRANDE FAVOR, QUERO RECEBER EM MINHA CASA ONDE MORO ATUALMENTE DE OURICURI.PE., O QUE VOCÊ PUDER JUNTAR DE FOTOS NOSSAS COPIAS, PRINCIPALMENTE DA BANDA OS LORDES, QUE ME LEMBRO COM MUITAS SAUDADES DOS BAILES AI EM FRENTE A SUA CASA NO DEMOCRATICO ESPORTE CLUBE, FALEME-ME TUDO DE SUA FAMILIA COMO ESTÃO E O PASSADO. EU CASEIME, E TENHO 4 FILHOS E 5 NETOS, A SEMENTE GERMINOU, E MOREI EM VARIAS CIDADES, PETROLINA, PICOS.PI., ARARIPINA.PE E ATUALMENTE EM OURICURI.PE, NA RUA PEDRO TOMAZ DE AQUINO, N. 92 APTO. B. 2, MEUS TELEFONES 87.999190434., 988792523., E 87.38743784., QUANTO AO FISICO ESTOU UM POUCO RUIM, DUAS PONTES SAFENA, DUAS MAMARIAS E ATUALMENTE CANCER NA PROSTATA, MAIS ESTOU BEM, LEVANDO A VIDA COMO DEUS QUER, TRABALHEI 40 ANOS NA VIAÇÃO ITAPEMIRIM, VEJA BEM DEPOIS DE TODO ESTE TEMPO RECEBO SALARIO MINIMO. ONDE ME COLOCARAM O APELIDO DE CHICO DA ITAPEMIRIM, ENTRE OS TANTOS QUE JÁ ME COLOCARAM. WILLIAN UM ABRAÇO FRATERNO E AMIGO, QUE O GRANDE ARQUITETO DO UNIVERSO O TENHA COM BOA SAÚDE, MANDE=ME LUMBRANÇAS DE MEU GRANDE COMPANHEIRO IVAN, SE POSSIVEL SEU TELEFONE. E NÃO SE ESQUEÇA DAS FOTOS DOS LORDES, MEU E-MAIL chicoitapemirim@yahoo.com.br LI TODO O COMENTARIO DA CASA DO MAJOR WILLIAM PORTO E POSSO AFIRMAR COM TODAS AS LETRAS QUE FUI PARTICIPANTE DESTA BELA HISTORIA E CONVIVI PESSOALMENTE, NOS TEMPOS DA DITADURA MILITAR. SE ESTE COMENTARIO N~~AO FOR DIRETAMNTE PRO WILLIAM, FAVOR DE QUEM RECEBER TIRAR CÓPIA E ENVIAR PARA O MESMO. SAUDADES E ABRAÇOS FRATERNAIS. CHICO DO VELHO ZÉ DO OLÉO, MAIS A FRENTE NO BECO DA CORUJA OU DE JOINHA.

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  2. ESPERO QUE MEU AMIGO WILLIAN ESTE AINDA CO MUITA SAÚDE, MAIS CASO ELE NÃO PODER ENVIAR-ME RESPOSTAS A RESPEITO DE MEU COMENTARIO, SOLICITO QUE SEJA ENVIADO A SEU IRMÃO IVAN PORTO. OBRIGADO.

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  3. Gostaria de falar com você. Qual o número de seu telefone. Moacyr Magalhães

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  4. Prazer imenso meu caro filho da nossa amada Pesqueira.
    seu blog não está funcionando? ou mudou de endereço digital?

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